Meus olhos estavam fixos naquela criatura, a qual ainda não descobri a origem. A fisionomia me levou a crer que se tratava de um ser humano, porém as condições em que se encontrava e a maneira como era tratada pelos que passavam ao seu redor, me fizeram acreditar que era um bicho.
Fui ao shopping da cidade decidido a comprar um par de tênis novo. Num impulso comprei logo o mais caro que encontrei - minha vida já tá uma merda mesmo, talvez estes tênis novos e caríssimos me deixem feliz - pensei comigo. Na volta para o meu pequeno apartamento, resolvi me sentar um pouco no banco de uma praça e ver o tempo passar, tomar um ar fresco. Foi aí que me deparei com aquele ser grotesco, sentado do outro lado da rua pedindo esmolas. Um mendigo, para ser mais claro. Carregava consigo um litro de aguardente, do qual tomava goles em intervalos não determinados. De tão bêbado que estava, ria abestadamente sem motivo ou razão visíveis. Como poderia estar aparentemente feliz se encontrava-se em situação tão deplorável? Por um momento senti inveja do infeliz alegre. Estava em uma situação mil vezes pior que a minha e conseguira ficar alegre com algo bem mais barato que aqueles caros tênis que comprei. Talvez valessem mais que a vida dele. Pensei em trocar de lugar com o mendigo por um instante, só para experimentar um pouco daquela alegria. Recobri a consciência em seguida, foi apenas um breve surto de loucura tal hipótese.
As pessoas que passavam perto do mendigo o olhavam com expressões de asco. Seu fedor era perceptível de distâncias consideráveis, os piolhos pareciam saltar de sua cabeleira insalubre. Precisava tomar um banho. Me lembrei daqueles cachorrinhos de madame, limpinhos ao extremo e de barriga cheia após três refeições diárias. Talvez o mendigo estaria de barriga vazia a dias. Talvez um cachorrinho de madame fosse considerado mais humano que o indigente, que talvez merecesse muito mais ser paparicado por alguma madame. O certo, era que muitos que passavam pelo mendigo, o viam como um cachorro vira-lata.
Nada poderia se afirmar sobre sua história, o indigente não deveria ser subestimado por ninguém. Quem sabe algum dia fora rei de alguma nação não existente mais, quem sabe já fora astronauta e tenha viajado pelo cosmos. Talvez até já tenha nascido mendigo. O único abrigo em que realmente se sentiu seguro pode ter sido o ventre de sua mãe. Nascido e criado nas ruas, sentiu na pele o que realmente é sofrer na vida. Minhas várias contas a pagar não passam nem perto das noites de frio que o indigente enfrentou. Me senti na obrigação de dividir o par de tênis com o mesmo, me sentar ao seu lado e aprender um pouco sobre como sobreviver na vida. Outro breve surto de loucura.
gostei!
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